1. RELATÓRIO DE AUDITORIA. FISCOBRAS/2023. OBRAS DE IMPLANTAÇÃO, PAVIMENTAÇÃO, RESTAURAÇÃO E OBRA DE ARTE ESPECIAL DA BR-135/MG - TRECHO RODOVIÁRIO ITACARAMBI - DIVISA MG/BA, SUBTRECHO MANGA - ITACARAMBI, COM EXTENSÃO DE 57,4 KM. PREVISÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO EMPREENDEDOR PARA O CONTRATADO. INCLUSÃO NO ESCOPO DO OBJETO DA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS REFERENTES AO PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. METODOLOGIA INADEQUADA PARA DEFINIÇÃO DO VALOR ESTIMADO DA CONTRATAÇÃO. ORÇAMENTO ESTIMATIVO DEFASADO. ANTEPROJETO POTENCIALMENTE DESATUALIZADO. ATRASO NA ENTREGA DOS PROJETOS PELA CONTRATADA. CIENTIFICAÇÃO. MEDIDAS SANEADORAS.
(...)
9. A Licença Prévia (LP) 536/2016, documento anexo ao TR, comtempla apenas as obras de manutenção e implantação da linha geral da BR-135/MG no trecho Manga - Itacarambi (evidência 44). Os contornos rodoviários a serem implantados não possuem a Licença Previa ambiental a qual, segundo o edital, deverá ser obtida durante a execução do contrato. Essa situação não se amolda ao previsto no artigo 9º, § 2º, inciso I, alínea "d" da Lei 12.462/2011.
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Nesse contexto, no âmbito de processo de auditoria com o objetivo de avaliar os procedimentos utilizados para elaboração, análise e aprovação de anteprojetos a serem utilizados em licitações no âmbito do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), especificamente no regime de contratação integrada (RDCi), por meio do Acórdão 2.725/2016-TCU-Plenário (Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues) o Tribunal determinou que o DNIT, no prazo de sessenta dias:
9.1.3. apresente ao Tribunal plano de ação com vistas a exigir a obtenção da licença prévia ambiental antes da licitação de obras pelo regime de contratação integrada do RDC, em conformidade com os princípios da eficiência e da economicidade estabelecidos nos art. 37 e 70 da Constituição Federal, de 5/10/1988, bem como com a alínea "d" do inciso I do § 2º do art. 9º da Lei 12.462/2011 (Lei do RDC) c/c art. 10 da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981;
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I - Para os casos em que os anteprojetos de engenharia ainda não foram: contratados, elaborados, analisados ou recebidos por meio de doação, deverão ser contratados ou recebidos juntamente com estes os respectivos EIA - Estudo de Impacto Ambiental e RIMA - Relatório de Impacto Ambiental, possibilitando a obtenção da Licença Prévia antes da licitação de obras pelo regime de contratação integrada do RDC.
Parágrafo único. Para os casos em que os anteprojetos estejam em andamento e, que não haja Licença Prévia Ambiental expedida, sejam eles: em processo de contratação, elaboração, aprovação ou doação, deverão ser incluídos como parte do objeto da licitação, por meio da contratação integrada - RDCi, os respectivos estudos ambientais, possibilitando a obtenção da Licença Prévia antes do início da execução das obras.
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Face a portaria em tela, por meio do Acórdão 960/2021-TCU-Plenário (Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues), o TCU considerou cumprida a determinação contida no subitem 9.1.3 do Acórdão 2.725/2016-TCU-Plenário. O anteprojeto em apreço foi aceito pelo DNIT em 2015, logo, nos termos do parágrafo único da regra de transição a Licença Prévia pode ser antes do início das obras.
- Apesar da regra de transição, é importante destacar o longo período entre a elaboração e a licitação da obra sem que fosse obtida a Licença Prévia para os contornos rodoviários. Foram aproximadamente sete anos (entre 2015 e 2022) nos quais não foram tomadas medidas para obtenção da LP antes da licitação. Não é possível conceber uma regra de transição infinita na qual qualquer anteprojeto elaborado há vários anos da expedição da Portaria DNIT 4.717/2019 possa vir a ser licitado sem a obtenção da LP necessária.
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Tal fato é relevante no contexto da licitação em tela, pois a possibilidade de os contornos serem ambientalmente inviáveis foi tratada como risco na matriz de riscos, conforme Quadro 1.
Quadro 1 - Excerto da matriz de riscos Edital 90/2022, Contrato 277/2022
MATRIZ DE RISCO 1A
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TIPO DE RISCO
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DESCRIÇÃO
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MATERIALIZAÇÃO
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MITIGAÇÃO
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ALOCAÇÃO
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Licenciamento Ambiental e Componente Ambiental do Projeto de Engenharia e execução dos referidos serviços
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Inviabilidade Ambiental dos Contornos
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Não realização de Estudo para obtenção da LI
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Contratação Integrada (redução do valor do contrato)
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Contratada
Seguradora
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Não realização de gerenciamento ambiental
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Diminuição do objeto de estudos, projeto e obra
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Fonte: Matriz de risco Edital 90/2022, Contrato 277/2022 (evidência 19, p. 4)
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A possível inviabilidade ambiental dos contornos pode acarretar a redução de até R$ 40.935.560,92 (ref.: dezembro/2021) no faturamento da contratada durante a execução do empreendimento. Tal valor equivale a 17,22% do valor do contratado (evidência 43 - custo estimado dos contornos). Sendo assim, não é possível desvincular a ausência de LP dos contornos dentre os fatores que contribuíram para o reduzido número de interessados na licitação.
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A existência de regra de transição não autoriza a utilização de anteprojetos demasiadamente antigos, sem a respectiva LP e com fortes indícios de desatualização. O Tribunal, por meio do Acórdão 960/2021-TCU-Plenário, somente abriu uma exceção para o DNIT fazer uma transição envolvendo os anteprojetos e licitações contemporâneos à Portaria DNIT 4.717/2019. Por isso, mostra-se oportuno determinar que eventual nova licitação baseada no anteprojeto em questão seja precedida da obtenção da LP para os contornos.
(TCU, 005.088/2023-2, Acórdão n.º 1912/2023, Plenário, Rel. Benjamin Zymler, Plenário, julgado em 13/09/2023)
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4. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. LEI 12.462/2011, QUE INSTITUIU O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS (RDC). AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÕES SUBSTANCIAIS APTAS A GERAR A PERDA DO OBJETO DAS AÇÕES. EXAURIMENTO PARCIAL DA EFICÁCIA DA LEI, NOS SEUS ARTIGOS 1º, INCISOS I, II E III, 43, 65, 66 E 67. AÇÕES CONHECIDAS PARCIALMENTE. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE O OBJETO INICIALMENTE VEICULADO PELAS MEDIDAS PROVISÓRIAS CONVERTIDAS EM LEI E AS EMENDAS PARLAMENTARES. APLICAÇÃO DO QUANTO DECIDIDO NA ADI 5.127, EM QUE SE AFIRMOU A HIGIDEZ, ATÉ A DATA DAQUELE JULGAMENTO, DE TODAS AS LEIS ORIUNDAS DE PROJETOS DE CONVERSÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS COM SEMELHANTE VÍCIO, JÁ APROVADAS OU EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL. PRECEDENTES. REQUISITOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA PARA A EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE EXCEPCIONAL QUE PRESSUPÕE A FLAGRANTE ABUSIVIDADE DO PODER NORMATIVO DO PODER EXECUTIVO. PRECEDENTES. CRIAÇÃO DE UM NOVO MICROSSISTEMA DE LICITAÇÕES E CONTRATOS, INICIALMENTE DESTINADO A NORTEAR AS CONTRATAÇÕES DE OBRAS E SERVIÇOS RELACIONADOS À COPA DO MUNDO DE 2014 E AOS JOGOS OLÍMPICOS E PARAOLÍMPICOS DE 2016. NORMA QUE VISOU AO AUMENTO DA CELERIDADE, À DESBUROCRATIZAÇÃO DO PROCESSO DE LICITAÇÃO E À CRIAÇÃO DE INCENTIVOS PARA O CUMPRIMENTO MAIS RACIONAL DO CONTRATO ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. CONTRATAÇÃO INTEGRADA. INEXISTÊNCIA DE PROJETO BÁSICO ELABORADO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE NÃO IMPLICA A INDEFINIÇÃO DO OBJETO LICITADO NEM MESMO A SUBJETIVIZAÇÃO DO JULGAMENTO DA PROPOSTA. REMUNERAÇÃO VARIÁVEL DO CONTRATADO QUE REPRESENTA MECANISMO DE INCREMENTO DA RACIONALIDADE ECONÔMICA E DA EFICIÊNCIA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO. PUBLICIDADE DIFERIDA DO ORÇAMENTO ESTIMADO PARA A CONTRATAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE, PORQUANTO O QUE SE RESTRINGE, POR TEMPO DETERMINADO, É O CONHECIMENTO DO ORÇAMENTO DADO PELOS LICITANTES COMO FORMA DE EVITAR O INFLACIONAMENTO ARTIFICIAL OU A COMBINAÇÃO INDEVIDA DOS PREÇOS CONSTANTES NAS PROPOSTAS. DISPENSA DE PUBLICAÇÃO EM DIÁRIO OFICIAL PARA CONTRATAÇÕES DE MENOR VULTO. PONDERAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA EFICIÊNCIA. PRIORIZAÇÃO DOS MÉTODOS MAIS BARATOS E EFETIVOS DE PUBLICIDADE DOS EDITAIS, MERCÊ DA CRESCENTE INFORMATIZAÇÃO, AUTOMATIZAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES. CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO DA PRÉ-QUALIFICAÇÃO, QUE TEM POR FINALIDADE DISPONIBILIZAR UM CADASTRO PRÉVIO DE BENS OU FORNECEDORES QUE ATENDAM A CONDIÇÕES TÉCNICAS PREESTABELECIDAS, COM VISTAS A OTIMIZAR E A CONFERIR CELERIDADE AO RITO DE FUTURAS LICITAÇÕES. AUSÊNCIA DE RELATIVIZAÇÃO DA PROTEÇÃO AMBIENTAL E DO LICENCIAMENTO DOS EMPREENDIMENTOS NA LEI DO RDC. LEI QUE NÃO AMPLIA INDEVIDAMENTE A DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR PARA A ESCOLHA DO REGIME LICITATÓRIO A SER ADOTADO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE QUE DEVE SER COMPREENDIDO EM SUA ACEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE JURIDICIDADE. ESTABELECIMENTO DE STANDARDS LEGAIS MÍNIMOS COMPATÍVEIS COM A NOÇÃO DE LEIS-QUADRO. AÇÕES PARCIALMENTE CONHECIDAS E, NESSAS PARTES, JULGADAS IMPROCEDENTES.
1. A intervenção judicial nas escolhas dos demais Poderes demanda, para sua plena justificação, mais do que meras imputações retóricas e fundamentos vagos, sob pena de o Poder Judiciário, a pretexto de tutelar a ordem constitucional, reduzir excessivamente os espaços de discricionariedade, inovação e experimentalismo próprios do legislador e administrador. 2. O Supremo Tribunal Federal, confrontado com o exame da constitucionalidade de decisões do Congresso Nacional impactantes em políticas públicas e que, primu ictu oculi, não confrontam o texto constitucional, deve, atento às consequências práticas de sua decisão, resistir à tentação de aderir a visões teóricas destoantes da realidade da Administração Pública brasileira, na linha da orientação hoje contida no art. 20, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que positiva essa vertente pragmático-consequencialista da função judicante ao determinar que "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão". 3. O tema das licitações e contratações públicas desperta invulgares preocupações e profundos debates teóricos, notadamente diante do significativo volume de contratações realizadas pelo Poder Público brasileiro, de um lado, e da alta suscetibilidade da sua utilização para fins escusos (como a corrupção e a cartelização), de outro. 4. A licitação pública, sabidamente, não representa um fim em si mesmo, mas um meio para a tutela dos princípios essenciais à Administração Pública insculpidos no art. 37, caput da CRFB. O imperativo da vantajosidade que deve se fazer presente nos contratos públicos reluz como consectário lógico desse cenário: sendo os recursos públicos eminentemente escassos, a Administração Pública deve almejar a obtenção dos melhores resultados possíveis com o menor dispêndio de verbas (custo-benefício). 5. O texto constitucional, em que pese ter positivado a regra da licitação, não delineou de forma exaustiva o que constituiria um processo licitatório ideal, considerando a diversidade de contratações das quais a Administração Pública lança mão diuturnamente, cujos contornos variam conforme as alterações nas conjunturas econômicas, políticas, sociais e tecnológicas. 6. O design das licitações públicas pode suscitar incrementos ou decréscimos na concorrência, aumento ou diminuição de custos de transação, incentivos ou desincentivos à corrupção e à formação de carteis. 7. O RDC se insere em uma fase das licitações públicas brasileiras pautada pela maior preocupação com a eficiência, com a simplificação do processo e com a criação de incentivos econômicos mais racionais, consoante se verifica dos seus objetivos indicados no art. 1º, §1º, da Lei 12.462/2011: (i) ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; (ii) promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; (iii) incentivar a inovação tecnológica, e (iv) assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública. 8. A contratação integrada é o regime de execução indireta de obras e serviço s de engenharia previsto no art. 9º da Lei 12.462/2011, pelo qual o particular vencedor da licitação será incumbido (i) da elaboração e do desenvolvimento dos projetos básico e executivo, (ii) da execução de obras e serviços de engenharia, (iii) da montagem, (iv) da realização de testes, (v) da pré-operação e (vi) de todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto. 9. A lógica subjacente a essa modalidade de contratação é a percepção de que a Administração Pública nem sempre é capaz de realizar o projeto básico a contento, a depender dos contornos ou objetivos da licitação, o que pode vir a prejudicar a própria higidez do contrato administrativo a ser licitado. 10. A consequência da utilização da contratação integrada, em suma, é a criação de uma obrigação de resultado, privilegiando-se a fixação de fins sobre a indicação taxativa dos meios. Trata-se de recurso que permite reduzir os custos de tempo, dinheiro e pessoal da Administração Pública contratante, ao transferir ao particular a elaboração do projeto básico - acompanhada dos riscos decorrentes da completude e qualidade deste. 11. A Lei 12.462/2011 não inaugurou e nem tornou exclusividade sua a flexibilização da exigência de elaboração do projeto básico pela Administração Pública nas hipóteses de contratações de maior complexidade, estratégia presente também, e.g., no âmbito das Lei 8.987/1995, da Lei 11.079/2004 e da Lei 13.303/2016 e no direito comparado, em que se adota a modalidade de engineering procurement and construction contract (EPC). 12. A contratação integrada não pode ser livremente adotada pela Administração Pública, na medida em que a sua utilização para a execução indireta de obras e serviços de engenharia, nos termos dos artigos 8º e 9º da Lei 12.462/2011, está restrita aos casos em que ela seja técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva inovações tecnológicas, metodologias distintas de execução ou possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado. 13. A obrigação de resultado contida na contratação integrada vem acompanhada, nos termos da Lei do RDC, de estruturas de incentivo que fazem frente a custos de transação e assimetrias informacionais - em especial, a eventual tentação do particular de cortar custos e utilizar atalhos, durante a execução contratual, de modo a elevar a sua margem de lucro (moral hazard). 14. A Lei, consectariamente, veda a celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto para (i) a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e (ii) por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/1993 (art. 9º, §4º da Lei do RDC). 15. In casu, o modelo de contratação integrada não é aprioristicamente incompatível com a regra constitucional da licitação (art. 37, XXI, da CRFB), porquanto a inexistência projeto básico, per se, não significa a indefinição do objeto licitado e/ou a subjetivização do julgamento da proposta, bem como a interpretação sistemática da lei impugnada permite verificar a presença de mecanismos mitigadores de riscos ao interesse público decorrentes dessa escolha legislativa. 16. A remuneração variável do contratado representa mecanismo de incremento da racionalidade econômica e da eficiência do contrato administrativo. Diversamente do que ocorre nas licitações públicas regidas pela Lei 8.666/1993, em que o particular pode ser tentado a auferir rendas extraordinárias pela diminuição da qualidade dos bens e serviços prestados (moral hazard), pretende-se estimular o cumprimento contratual com o maior nível de excelência possível. 17. A ideia de atrelar a remuneração do particular ao seu nível de performance encontra guarida na teoria geral das obrigações, por equalizar a contraprestação paga pelo Poder Público com qualidade do cumprimento do contrato. 18. A variação da remuneração e os critérios aplicáveis para o seu cálculo devem encontrar prévia e clara estipulação no instrumento convocatório, de modo que não há a alegada surpresa ou unilateralidade na remuneração do particular. 19. In casu, a remuneração variável do contratado não é incompatível com o art. 37, caput da Constituição Federal, devendo respeitar o limite orçamentário fixado pela Administração Pública e ser motivada quanto (i) aos parâmetros escolhidos para aferir o desempenho do contratado; (ii) ao valor a ser pago; e (iii) ao benefício a ser gerado para a Administração Pública (art. 70, §1º do Decreto 7.581/2011). 20. A publicidade, enquanto princípio setorial da Administração Pública, deve ser a regra geral no atuar estatal, uma vez que é ela que permite o controle social, administrativo e judicial do Poder Público. Não é possível à sociedade civil acompanhar o proceder dos seus representantes sem ter acesso às minúcias da sua gestão; tampouco há otimização dos gastos públicos e combate à corrupção sem a respectiva transparência e accountability das autoridades. 21. O ganho de transparência pelo incremento da divulgação de informações, contudo, deve ser equalizado com os objetivos de redução dos riscos de corrupção e de conluio entre os licitantes. 22. O Legislador nacional, ponderando a tutela à eficiência e à probidade nas licitações, vis-à-vis a publicidade imediata de todos os atos administrativos, acolheu posição já defendida pela doutrina, no sentido de que a divulgação do orçamento antes do oferecimento das propostas poderia propiciar a formação de cartéis entre os participantes do processo licitatório. 23. A Lei do RDC, nesse contexto, inspira-se na teoria econômica ao criar uma assimetria de informações favorável à Administração Pública, que pretende compelir os particulares a formular suas propostas com base, exclusivamente, nos elementos técnico-jurídicos contidos no edital. 24. In casu, não se entrevê qualquer inconstitucionalidade na medida, máxime porque não há, propriamente, uma restrição absoluta e perene da publicidade, mas mero diferimento da divulgação do orçamento estimado para a contratação. 25. A interpretação do princípio da publicidade não pode desconsiderar o atual estado da arte tecnológico para consagrar uma percepção unidimensional da transparência dos atos administrativos. 26. A determinação de publicação em Diário Oficial é uma das possíveis alternativas para o cumprimento do dever constitucional de transparência, mas é, também, medida que acarreta custos adicionais à Administração Pública quando da efetivação do certame. 27. In casu, o Legislador Federal, ao relativizar a regra geral da publicação em Diário Oficial nos casos de contratações de menor monta, realizou razoável ponderação no sentido de priorizar métodos menos custosos e mais efetivos de publicidade dos editais (i.e. publicação em sítio eletrônico oficial centralizado), à luz da crescente informatização, automatização e digitalização das comunicações, nos dias atuais. O critério adotado pela Lei do RDC para a desobrigação da publicação em imprensa, diga-se, é idêntico àquele consagrado pelos arts. 21 e 23 da Lei 8.666/1993 para a modalidade licitatória de convite, que contempla contratos de valor correspondente. 28. A pré-qualificação permanente é um dos procedimentos auxiliares positivados pela Lei do RDC com o fito de reduzir os custos de transação das contratações públicas (art. 29), tendo como ratio a disponibilização de um cadastro prévio de bens ou fornecedores que atendam a condições técnicas preestabelecidas para otimizar e acelerar o andamento de futuras licitações. 29. In casu, inexistem restrições à competitividade e isonomia das licitações em decorrência do uso desse procedimento, mercê da exigência legal de que a pré-qualificação seja precedida de ampla publicidade e transparência. 30. O §1º do art. 4º dispõe que as contratações realizadas com base no RDC devem respeitar (i) a disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas; (ii) a mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental; (iii) a utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e recursos naturais; (iv) a avaliação de impactos de vizinhança, na forma da legislação urbanística; (v) a proteção do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação do impacto direto ou indireto causado pelas obras contratadas, e (vi) a acessibilidade para o uso por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. 31. In casu, a interpretação sistemática do diploma normativo, deste modo, conduz à conclusão de que não se está diante de qualquer relativização da proteção ambiental ou sociocultural. Destarte, à falta de elementos concretos capazes de infirmar a presunção de constitucionalidade que paira sobre a norma em análise, deve-se privilegiar a escolha legislativa, que não destoa dos objetivos constitucionais de tutela ao meio ambiente, fortalecendo, ao revés, o papel extraeconômico da licitação como vetor do desenvolvimento nacional sustentável. 32. O princípio da legalidade, contemporaneamente, tem sido interpretado em sua acepção de juridicidade. 33. A multiplicação de leis de baixa densidade normativa (leis-quadro) é reflexo dessa realidade, porquanto preocupam mais intensamente com o estabelecimento dos fins do que com a pormenorização taxativa dos meios, como consectário das ideias de (i) eficácia normativa dos direitos fundamentais; (ii) impossibilidade fática de esgotamento da atividade reguladora pelo Poder Legislador, e (iii) necessidade de dinamismo nas respostas do Direito à sociedade contemporânea. 34. In casu, a Lei em exame (i) traça objetivos e diretrizes a serem alcançados com essas contratações (art. 1º, §1º e art. 4º), e (ii) determina que a escolha quanto à aplicação do RDC esteja expressa no instrumento convocatório (art. 1º, §2º), de modo que, existindo suficientes stardards capazes de nortear a atuação administrativa e o seu ulterior controle, não há que se falar em violação à legalidade apta a macular de inconstitucionalidade os dispositivos normativos impugnados. 35. A jurisprudência dessa Suprema Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto, quando sobrevém alteração substancial da norma questionada ou quando exauridos os respectivos efeitos. 36. In casu, passados os eventos internacionais de grande porte a que se dedicavam o art. 1º, incisos I, II e III; o art. 43; e os arts. 65 a 67, com o consequente exaurimento da sua eficácia, impõe-se reconhecer a parcial perda de objeto das ADIs no tocante aos referidos artigos. As mudanças normativas subsequentes ao ajuizamento das ADIs, por outro lado, não implicaram reformas significativas no regime de contrações públicas sub examine, de modo que não repercutiram na perda do objeto das ações de controle. 37. A jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que viola o devido processo legislativo a emenda parlamentar, em projeto de conversão de medida provisória em lei versando sobre matéria distinta do seu objeto originário. Sem embargo, na ADI 5.127, leading case sobre o tema, o Plenário desta Corte ponderou que a tutela ao princípio da segurança jurídica exigiria a manutenção das leis com essas características já aprovadas no Congresso Nacional. Precedentes: ADI 5127, Relator Min. Rosa Weber, Redator p/ acórdão Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2015, DJe 11/5/2016; ADI 5135, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 9/11/2016, DJe 7/2/2018. 38. In casu, no momento do julgamento da ADI 5.127 pelo Supremo Tribunal Federal, encontravam-se finalizadas as etapas de discussão e votação no processo legislativo perante o Congresso Nacional de todas as normas impugnadas, de modo que aplicável o entendimento já consolidado nesta Corte de que as conclusões daquele acórdão se projetaram pro futuro, em razão das consequências sistêmicas negativas que eventual declaração de inconstitucionalidade poderia ocasionar naquele momento. 39. O controle jurisdicional da interpretação conferida pelo Poder Executivo aos conceitos jurídicos indeterminados de urgência e relevância para a edição de medidas provisórias deve ser restrito às hipóteses de zona de certeza negativa da sua incidência. Ausentes evidências sólidas de abuso do Poder Executivo na edição da medida provisória, é corolário da separação de Poderes a adoção de postura autocontida do Poder Judiciário, de maneira a prestigiar as escolhas discricionárias executivas e legislativas. 40. In casu, a MPv 527/2011, em sua redação originária, voltou-se essencialmente para a reorganização e otimização do setor de aviação civil: criou a Secretaria de Aviação Civil, alterou a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - Infraero, criou cargos de Ministro de Estado e cargos em comissão, dispôs sobre a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários e criou cargos de Controlador de Tráfego Aéreo. Assim, havia plausibilidade nas razões indicadas para a edição da medida provisória, mormente em virtude das notórias dificuldades e insuficiências do setor de aviação civil nacional, as quais poderiam, de fato, ser agudizadas pela realização dos grandes eventos internacionais promovidos no país. 41. Ações diretas de inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, nessas partes, julgadas improcedentes.
(STF, ADI 4645, relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 12/09/2023, veiculado em 20/10/2023 e publicado em 23/10/2023)
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5. AMBIENTAL E CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE FLORESTA NATIVA DO BIOMA AMAZÔNICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE PERTURBAÇÃO À PAZ SOCIAL OU DE IMPACTOS RELEVANTES SOBRE A COMUNIDADE LOCAL. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. SIGNIFICATIVO DESMATAMENTO DE ÁREA OBJETO DE ESPECIAL PROTEÇÃO. INFRAÇÃO QUE, NO CASO, CAUSA, POR SI, LESÃO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVA. CABIMENTO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
I. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, em decorrência do desmatamento de floresta nativa do Bioma Amazônico, objetivando impor, ao requerido, as obrigações de recompor o meio ambiente degradado e de não mais desmatar as áreas de floresta do seu imóvel, bem como a sua condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e por dano moral coletivo.
(...)
V. Não se sustenta o fundamento adotado pelo Juízo a quo de que, no caso, não seria possível reconhecer o dano moral, porque, para isso, seria necessário que a lesão ambiental "desborde os limites da tolerabilidade". Isso porque, na situação sob exame, também se consignou, no acórdão recorrido, que houve "desmatamento e exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão ambiental competente", conduta que "tem ocasionado danos ambientais no local, comprometendo a qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado".
VI. Constatando-se que, por meio de desmatamento não autorizado, causaram-se danos à qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, não tem pertinência, para a solução da causa, o chamado princípio da tolerabilidade, construção que se embasa, precisamente, na distinção feita pela legislação ambiental entre, de um lado, impacto ambiental - alteração do meio ambiente, benéfica ou adversa (Resolução CONAMA 001/86, arts. 1º e 6º, II) - e, de outro, degradação e poluição (Lei 6.938/81, art. 3º, II e III). Como esclarece a doutrina especializada: "de um modo geral as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos, a agricultura e a pecuária produzem alterações no meio ambiente, as quais somente devem ser contidas e controladas, quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade, caracterizando poluição reprimível. Para tanto, a necessidade de prévia fixação técnica dos índices de tolerabilidade, dos padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade poluidora" (MEIRELLES, Hely Lopes. Proteção Ambiental e Ação Civil Pública. Revista dos Tribunais nº 611, São Paulo: RT, 1986, p. 11). Especificamente quanto ao dano moral decorrente de ato lesivo ao meio ambiente, "há que se considerar como suficiente para a comprovação do dano extrapatrimonial a prova do fato lesivo - intolerável - ao meio ambiente. Assim, diante das próprias evidências fáticas da degradação ambiental intolerável, deve-se presumir a violação ao ideal coletivo relacionado à proteção ambiental e, logo, o desrespeito ao direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" (LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental, do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 5ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 288).
VII. Assim, constatado o dano ambiental - e não mero impacto negativo decorrente de atividade regular, que, por si só, já exigiria medidas mitigatórias ou compensatórias -, incide a Súmula 629/STJ: "Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar".
Trata-se de entendimento consolidado que, ao amparo do art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, "reconhece a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, não fazer e de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos" (STJ, EREsp 1.410.0698/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIS FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 03/12/2018).
VIII. Afirmou o Tribunal de origem, ainda, que o reconhecimento do dano moral exige ilícito que venha a "causar intranquilidade social ou alterações relevantes à coletividade local". Contra essa compreensão, tem-se entendido no STJ - quanto às lesões extrapatrimoniais em geral - que "é remansosa a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos e de aspectos de ordem subjetiva. O referido dano será decorrente do próprio fato apontado como violador dos direitos coletivos e difusos, por essência, de natureza extrapatrimonial, sendo o fato, por si mesmo, passível de avaliação objetiva quanto a ter ou não aptidão para caracterizar o prejuízo moral coletivo, este sim nitidamente subjetivo e insindicável" (EREsp 1.342.846/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, DJe de 03/08/2021).
IX. Segundo essa orientação, a finalidade do instituto é viabilizar a tutela de direitos insuscetíveis de apreciação econômica, cuja violação não se pode deixar sem resposta do Judiciário, ainda quando não produzam desdobramentos de ordem material. Por isso, quanto aos danos morais ambientais, a jurisprudência adota posição semelhante:
"No caso, o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao direito ao meio ambiente equilibrado. Em determinadas hipóteses, reconhece-se que o dano moral decorre da simples violação do bem jurídico tutelado, sendo configurado pela ofensa aos valores da pessoa humana. Prescinde-se, no caso, da dor ou padecimento (que são consequência ou resultado da violação)" (STJ, REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/06/2015). E ainda: "Confirma-se a existência do 'dano moral coletivo' em razão de ofensa a direitos coletivos ou difusos de caráter extrapatrimonial - consumidor, ambiental, ordem urbanística, entre outros -, podendo-se afirmar que o caso em comento é de dano moral in re ipsa, ou seja, deriva do fato por si só" (STJ, AgInt no REsp 1.701.573/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/09/2019). Na mesma direção: STJ, REsp 1.642.723/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/05/2020; REsp 1.745.033/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/12/2021.
X. No que se refere à inexistência de "situação fática excepcional" - expressão também usada no acórdão recorrido -, trata-se de requisito que, de igual forma, contraria precedente do STJ, também formado em matéria ambiental: "Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa" (REsp 1.940.030/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/09/2022). Na mesma direção, a doutrina ensina que os impactos materiais ou incômodos sobre a comunidade constituem, em verdade, dano da natureza patrimonial: "O dano ambiental patrimonial é aquele que repercute sobre o próprio bem ambiental, isto é, o meio ecologicamente equilibrado, relacionando-se à sua possível restituição ao status quo ante, compensação ou indenização.
A diminuição da qualidade de vida da população, o desequilíbrio ecológico, o comprometimento de um determinado espaço protegido, os incômodos físicos ou lesões à saúde e tantos outros constituem lesões ao patrimônio ambiental" (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.
9. ed. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 326).
XI. Dessa forma, a jurisprudência dominante no STJ tem reiterado que, para a verificação do dano moral coletivo ambiental, é "desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado", pois "o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado" (REsp 1.269.494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/10/2013).
XII. Nesse sentido, há precedentes no STJ reconhecendo que a prática do desmatamento, em situações como a dos autos, pode ensejar dano moral: "Quem ilegalmente desmata, ou deixa que desmatem, floresta ou vegetação nativa responde objetivamente pela completa recuperação da área degradada, sem prejuízo do pagamento de indenização pelos danos, inclusive morais, que tenha causado" (REsp 1.058.222/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 04/05/2011). Adotando a mesma orientação: REsp 1.198.727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/05/2013. Consigne-se, ainda, a existência das seguintes decisões monocráticas, transitadas em julgado, que resultaram no provimento de Recurso Especial contra acórdão, também do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que adotou a mesma fundamentação sob exame: REsp 2.040.593/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJe de 07/03/2023; AREsp 2.216.835/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJe de 02/02/2023.
XIII. Por fim, anote-se que, no caso, o ilícito sob exame não pode ser considerado de menor importância, uma vez que, consoante o acórdão recorrido, houve "exploração de 15,467 hectares de floresta nativa, objeto de especial preservação, na região amazônica, na Fazenda Chaleira Preta, com exploração madeireira e abertura de ramais, sem autorização do órgão ambiental competente". Constatando esses fatos, o Tribunal a quo reconheceu, ainda, a provável impossibilidade de recuperação integral da área degradada.
XIV. Recurso Especial conhecido e provido, para reconhecer a ocorrência de dano moral coletivo no caso, com determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que, à luz das circunstâncias que entender relevantes, quantifique a indenização respectiva.1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que "o ente federado tem o dever de fiscalizar e preservar o meio ambiente e combater a poluição (Constituição Federal, art. 23, VI, e art. 3º da Lei 6.938/1981), podendo sua omissão ser interpretada como causa indireta do dano (poluidor indireto), o que enseja sua responsabilidade objetiva." (AREsp 1.678.232/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/4/2021, DJe de 16/8/2021).
(STJ, REsp n.º 1.989.778/MT, relator Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 19/09/2023, Dje 22/09/2023)
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