TCE-PR esclarece critérios para recurso ser computado em índice constitucional da Saúde
Jurisprudência
Os recursos movimentados por fundo de saúde que sejam dispendidos de maneira compatível, especialmente, com as prescrições dos artigos 2º, 3º e 4º da Lei Complementar (LC) n° 141/12 podem ser classificados como ação e serviço público de saúde para os fins do disposto no artigo 6º da LC nº 141/12; e, assim, serem computados no índice constitucional referente à aplicação mínima na área da saúde.
Para tanto, é imprescindível que a movimentação de recursos do fundo de saúde pela unidade descentralizada, por meio do Regime de Execução Orçamentária Descentralizada (REOD) e mediante a celebração de convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres, observe efetivamente o nível de detalhamento requerido pelo Decreto Estadual nº 11.180/22 na formalização do Termo de Execução Descentralizada (TED).
Além disso, é necessário que conste no instrumento de formalização do ajuste entre a unidade descentralizada e a tomadora de recursos parceira a descrição clara e objetiva das atribuições de cada pasta e as especificações pormenorizadas das ações de saúde que serão custeadas com recursos oriundos do fundo de saúde.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa-PR), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de os repasses efetuados por aquela pasta a outras secretarias por meio de REOD fossem computados no índice constitucional de 12% de gastos em ações e serviços de saúde.
Instrução do processo
Em seu parecer, a Procuradoria-Geral do Estado do Paraná afirmou que, para que seja possível que os valores repassados sejam computados no índice constitucional de 12% como gastos de saúde, é necessário que sejam observados os artigos 2º, 3º e 4º da LC nº 141/12 e que seja firmado Termo de Colaboração entre a secretaria da saúde e o tomador de recursos.
A Primeira Inspetoria de Controle Externo (1ª ICE) ressaltou que, para a classificação como ação e serviço público de saúde, é necessário, no caso de repasses de recursos por REOD, que sejam definidas claramente as atribuições de cada pasta e a especificação de cada uma das ações que serão custeadas com os recursos da saúde.
A unidade de fiscalização também destacou a necessidade de que seja firmado um Termo de Colaboração entre a Secretaria de Saúde e a pasta recebedora dos recursos; e que seja realizada a prestação de contas ao TCE-PR em relação aos repasses efetuados.
Legislação e jurisprudência
O inciso III do artigo 35 da CF/88 expressa que o estado não intervirá em seus municípios, nem a União nos municípios localizados em Território Federal, exceto quando não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
O artigo 198 do texto constitucional dispõe que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade.
O parágrafo 2º desse artigo estabelece que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre, no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15%; no caso dos estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se referem os artigos 155 e 156-A e dos recursos de que tratam os artigos 157 e 159, I, "a", e II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos municípios; e, no caso dos municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se referem os artigos 156 e 156-A e dos recursos de que tratam os artigos 158 e 159, I, "b", e parágrafo 3º.
O parágrafo 3º do artigo 198 da CF/88 fixa que lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá os percentuais de que tratam os incisos II e III do parágrafo 2º.
A LC nº 141/12 é a norma que regulamenta o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O artigo 2º dessa lei expressa que, para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos na lei complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no artigo 7o da Lei no 8.080/90, e a diretrizes específicas.
Essas diretrizes são que as despesas devem ser destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito; estar em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da federação; e ser de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população.
O parágrafo único desse artigo dispõe que, além de atender aos critérios estabelecidos, as despesas com ações e serviços públicos de saúde realizadas pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios deverão ser financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde.
O artigo 3º da LC nº 141/12 estabelece que, observadas as disposições do artigo 200 da Constituição Federal, do artigo 6º da Lei nº 8.080/90, e do artigo da lei complementar, para efeito da apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos, serão consideradas despesas com ações e serviços públicos de saúde as referentes à vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária; à atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de deficiências nutricionais; à capacitação do pessoal de saúde do SUS; ao desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos por instituições do SUS; à produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-odontológicos; e ao saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas na lei complementar.
Também serão consideradas despesas com ações e serviços públicos de saúde as referentes ao saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos; ao manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças; ao investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos públicos de saúde; à remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais; às ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde; e à gestão do sistema público de saúde e operação de unidades prestadoras de serviços públicos de saúde.
O artigo seguinte (4º) fixa que não constituirão despesas com ações e serviços públicos de saúde, para fins de apuração dos percentuais mínimos de que trata a lei complementar, aquelas decorrentes de pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive dos servidores da saúde; pessoal ativo da área de saúde quando em atividade alheia à referida área; assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal; merenda escolar e outros programas de alimentação, ainda que executados em unidades do SUS, ressalvando-se o disposto no inciso II do artigo 3º; e saneamento básico, inclusive quanto às ações financiadas e mantidas com recursos provenientes de taxas, tarifas ou preços públicos instituídos para essa finalidade.
Também não constituirão despesas com ações e serviços públicos de saúde limpeza urbana e remoção de resíduos; preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de meio ambiente dos entes da federação ou por entidades não governamentais; ações de assistência social; obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede de saúde; e ações e serviços públicos de saúde custeados com recursos distintos dos especificados na base de cálculo definida nesta lei complementar ou vinculados a fundos específicos distintos daqueles da saúde.
O artigo 6º da LC nº 141/12 dispõe que os estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 155 e dos recursos de que tratam o artigo 157, alínea "a" do inciso I e o inciso II do artigo 159, todos da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos municípios.
O artigo 1º do Decreto Estadual nº 11.180/22 estabelece que esse decreto dispõe sobre o REOD no âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social do Estado do Paraná, com vista à execução de ações de interesse recíproco de órgãos, fundos e entidades da administração pública estadual.
O parágrafo 1º desse artigo fixa que a descentralização de créditos orçamentários de que trata o decreto configura delegação de competência para a unidade descentralizada promover a execução de ações previstas no orçamento da unidade descentralizadora, conforme TED ou Termo de Ressarcimento de Despesa (TRD).
O artigo 1º do Decreto Estadual nº 11.180/22 expressa que a descentralização de créditos orçamentários de que trata o decreto será motivada e terá como finalidades a execução de ações orçamentárias de interesse recíproco, em regime de colaboração mútua - inciso I - e o ressarcimento de despesas - inciso II.
O parágrafo 1º desse artigo dispõe que a descentralização de crédito de que trata o inciso I do artigo será realizada por meio da celebração de TED; e a do inciso II, por meio de TRD, não sendo exigível a formalização de convênio, ajuste ou acordo adicional entre os partícipes.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Augustinho Zucchi, lembrou que as despesas com ações e serviços públicos de saúde realizadas pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios deverão ser financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde.
Zucchi frisou que o fato de determinada despesa integrar as atribuições do SUS não garante, por si só, a sua contabilização no rol das ações e serviços públicos de saúde para os fins da LC n° 141/12, pois a classificação requer, especialmente, a plena observância das disposições dos artigos 2º, 3º e 4º da LC nº 141/12.
O conselheiro ressaltou que a definição dos gastos a serem computados, ou não, no índice de 12% previsto no artigo 6º da LC nº 141/12 não diz respeito apenas à aplicação de conceitos teóricos, mas também a questões de ordem prática; e, por isso, é necessária a correta e precisa identificação das despesas realizadas.
O relator destacou que o REOD, regulamentado pelo Decreto Estadual nº 11.180/22, constitui mecanismo de execução de ações de interesse recíproco de órgãos, fundos e entidades da administração e estadual, contribuindo para a racionalização na aplicação de recursos e pressupondo o planejamento da atuação estatal de maneira coordenada e colaborativa.
Zucchi salientou que Decreto Estadual nº 11.180/20227 explica que a descentralização, que constitui delegação de competência para a unidade descentralizada promover a execução de ações previstas no orçamento da unidade descentralizadora, deve ser motivada e formalizada mediante celebração de TED ou TRD.
O conselheiro lembrou que a contratação de particulares e a execução descentralizada não afasta a necessidade de cumprimento dos atos normativos que versam sobre os respectivos instrumentos jurídicos de contratação ou de execução descentralizada. Ele reforçou que a opção pela execução de programas, de projetos e atividades mediante REOD não desconfigura a natureza das despesas e a competência da unidade descentralizadora.
Finalmente, o relator afirmou que as formalidades prescritas pelo Decreto Estadual nº 11.180/2022 para fins de formalização do TED são compatíveis com as exigidas em alguns regimes jurídicos que regulam a transferência de recursos públicos mediante convênios, termos, acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres. Como exemplo, ele citou a Lei Federal nº 13.019/14, a Lei Federal nº 9.790/99, a Lei Federal nº 9.637/98 e a Resolução nº 28/2011 do TCE-PR, que dispõe sobre a formalização, a execução, a fiscalização e a prestação de contas das transferências de recursos financeiros e demais repasses no âmbito estadual e municipal.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, por meio da Sessão de Plenário Virtual nº 13/24 do Tribunal Pleno, concluída em 18 de julho. O Acórdão nº 2141/24, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 30 de julho, na edição nº 3.261 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 8 de agosto.
Serviço
Processo nº:
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771364/23
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Acórdão nº
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2141/24 - Tribunal Pleno
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Assunto:
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Consulta
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Entidade:
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Secretaria de Estado da Saúde
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Relator:
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Conselheiro Augustinho Zucchi
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Autor: Diretoria de Comunicação Social
Fonte: TCE/PR