É possível pagar verba incorporada a contrato antes da revogação da norma que a previa
Jurisprudência

É possível o pagamento administrativo de parcela prevista em norma administrativa revogada por lei ou portaria, caso esse direito tenha sido incorporado ao contrato de trabalho em momento anterior à revogação da norma que concedia o benefício.
A possibilidade decorre do respeito ao princípio da irretroatividade, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, no artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e no artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Esta é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Procuradoria-Geral do Estado do Paraná (PGE-PR), por meio da qual questionou sobre a possibilidade do pagamento administrativo de parcela prevista em norma administrativa revogada, no caso de o direito previsto nessa norma já ter sido incorporado ao contrato de trabalho do beneficiário antes da revogação da norma instituidora do benefício.
Instrução do processo
A PGE-PR justificou que a matéria, após anos de decisões, encontra-se pacificada judicialmente; e que a resistência por parte de órgãos da administração pública em reconhecer o direito pleiteado por seus empregados vem acarretando custos desnecessários ao erário, com honorários advocatícios sucumbenciais de 5% a 15%, juros, correção monetária e honorários de perito contábil. Assim, o órgão afirmou que a resposta à Consulta poderia promover economia aos cofres públicos e reduzir a litigiosidade em torno de tema já pacificado na jurisprudência.
Em seu parecer, a Procuradoria Trabalhista vinculada à PGE-PR detalhou o contexto fático e jurídico relativo à situação exposta e concluiu que é possível o pagamento administrativo da parcela prevista em norma administrativa revogada, no caso de o direito previsto em tal norma já ter sido incorporado ao contrato de trabalho do beneficiário antes da revogação da norma instituidora do benefício.
A Coordenadoria de Gestão Estadual (CGE) do TCE-PR ressaltou que direito adquirido é um princípio que assegura a proteção de direitos que já foram constituídos e que não podem ser retirados ou alterados de maneira retroativa. Isso significa que, uma vez que um direito tenha sido legitimamente adquirido, ele deve ser respeitado e não sujeito a modificações que agravem sua condição, principalmente em relação a novas leis ou regulamentos que possam vir a ser criados.
A CGE frisou que, de forma geral, direito adquirido é aquele que, por determinação ou obrigação vinculada a uma lei, já pertence ao titular de determinado direito e, portanto, já faz parte de seu patrimônio jurídico; e que esse direito não poderá ser suprimido, extinguido ou modificado por lei, que nesse caso poderá ser considerada inconstitucional.
Além disso, a unidade técnica lembrou que a CLT dispõe que os trabalhadores não podem renunciar a direitos que já tenham sido garantidos a eles; e que esses direitos, uma vez adquiridos, devem ser respeitados e não podem ser alterados em prejuízo ao trabalhador.
Finalmente, a CGE reforçou a necessidade de que sejam respeitados os direitos já incorporados ao patrimônio dos indivíduos, garantindo que não haja retroatividade que prejudique direitos adquiridos previamente.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou com o posicionamento da PGE-PR e da CGE.
Legislação e jurisprudência
O inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O artigo 6º da LINDB estabelece que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
O artigo 468 da CLT fixa que, nos contratos individuais de trabalho, somente é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento; e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, em prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
A Súmula nº 51 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) fixou o entendimento de que as cláusulas regulamentares que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente somente atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Durval Amaral, lembrou que na instrução do processo não houve divergência entre as conclusões da PGE-PR, do MPC-PR e da unidade técnica do TCE-PR, o que evidencia que não há dúvida quanto à resposta do Tribunal à Consulta.
Amaral registrou a relevância para interesse público do assunto contemplado na Consulta; e que o posicionamento do TCE-PR certamente servirá de diretriz para todos os jurisdicionados do Estado do Paraná, contribuindo com a economia de recursos públicos, até então destinados inocuamente ao patrocínio de defesa em demandas judiciais e pagamento de custas e honorários de sucumbência.
O conselheiro reforçou que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; e destacou que o regramento jurídico que serve de base para a demarcação do tema refere-se às disposições do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, do artigo 6º da LINDB, do artigo 468 da CLT e da Súmula nº 51 do TST.
Finalmente, o relator ressaltou que é necessário reconhecer o direito afirmado e permitir que os órgãos e entidades da administração pública municipal e estadual procedam diretamente ao pagamento de verbas e parcelas pleiteadas por seus empregados, uma vez constatado pelo pagador que se encontram atendidas as condições descritas na resposta do TCE-PR à Consulta.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, por meio da Sessão de Plenário Virtual nº 22/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 21 de novembro de 2024. O Acórdão nº 3884/24 - Tribunal Pleno, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 28 de novembro passado, na edição nº 3.345 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 9 de dezembro.
Serviço
Processo nº:
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463523/24
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Acórdão nº
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3884/24 - Tribunal Pleno
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Assunto:
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Consulta
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Entidade:
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Procuradoria-Geral do Estado do Paraná
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Relator:
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Conselheiro José Durval Mattos do Amaral
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Autor: Diretoria de Comunicação Social
Fonte: TCE/PR