A instituição de contribuição de melhoria requer edição de lei prévia à obra tributada
Municipal
A instituição de contribuição de melhoria requer a edição de lei de efeitos concretos, específica e prévia, para cada obra pública que estará sujeita à sua tributação, em razão das disposições da alínea "a" do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal (CF/88) e do inciso I do artigo 82 do Código Tributário Nacional (CTN).
O lançamento tributário referente à contribuição de melhoria somente será válido se houver prévia e específica lei de efeitos concretos que respeite os pressupostos dos artigos 81 e 82 do CTN. Além disso, a cobrança dessa contribuição é justificada pela constatação de efetiva de valorização (mais valia) do imóvel lindeiro à obra, resultante, necessariamente, da realização da obra pública.
Na expedição de norma de natureza tributária sobre a contribuição de melhoria, o município deve respeitar, além dos pressupostos e princípios constitucionais, as disposições dos artigos 81 e 82 do CTN, complementados, no que couber, pelo Decreto-Lei nº 195/67. Caso contrário, pode ser decretada inválida a norma tributária produzida pelo ente federativo e, consequentemente, podem ser considerados nulos ou anuláveis os atos praticados com fundamento no regramento viciado.
Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo prefeito do Município de Ubiratã em 2021, sobre a instituição da contribuição de melhoria prevista no inciso III do artigo 145 da Constituição Federal.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que a instituição e o lançamento de crédito tributário a título de contribuição de melhoria sem lei específica prévia e estimativa da valorização dos imóveis lindeiros à obra pública são ilegais e inconstitucionais.
A unidade técnica ressaltou que isso caracteriza ofensa às disposições do CTN, do Decreto-Lei nº 195/67 e da CF/88, além de contrariar a jurisprudência consolidada sobre o tema. Assim, concluiu que pela nulidade dos lançamentos tributários nesses termos.
A CGM salientou que não há lacuna legislativa, no âmbito federal, a respeito da definição das normas gerais relacionadas à espécie tributária contribuição de melhoria, pois o Decreto-Lei nº 195/67 e os artigos 81 e 82 do CTN delimitam o fato gerador da contribuição de melhoria -valorização de um imóvel decorrente de realização de obra pública -; a base de cálculo desse tributo - acréscimo de valor ao imóvel que resultar da obra realizada -; o sujeito passivo tributário - proprietário do imóvel lindeiro à obra pública -; e os critérios condicionantes do lançamento desse tributo.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) afirmou, em seu parecer, que a instituição de contribuição de melhoria demanda a edição de lei específica e prévia à constituição do crédito tributário, submetida aos requisitos estabelecidos no artigo 82 do CTN.
O órgão ministerial ressaltou que o lançamento da contribuição de melhoria demanda a verificação da ocorrência do fato gerador, consistente na efetiva valorização imobiliária decorrente da obra pública; a identificação do sujeito passivo; e a efetivação do cálculo do tributo.
O MPC-PR destacou que a constituição do crédito tributário em desacordo com as premissas elencadas acarreta sua invalidade, que deve ser reconhecida pela administração, à qual compete a anulação dos lançamentos porventura efetuados e a restituição dos valores indevidamente cobrados, nos termos do artigo 165 e seguintes do CTN.
Legislação e jurisprudência
O inciso I do artigo 24 da CF/88 dispõe que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. Os parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º desse artigo estabelecem que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos estados; inexistindo lei federal sobre normas gerais, os estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades; e a a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Os incisos I e II do artigo 30 do texto constitucional fixam que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.
O inciso III do artigo 145 da CF/88 expressa que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão instituir o tributo contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
O inciso III do artigo 146 da Carta Magna dispõe que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; e definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados.
A alínea "a" do inciso III do artigo 150 da CF/88 estabelece que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
O artigo 6º do CTN fixa que competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas constituições dos estados e nas leis orgânicas do Distrito Federal e dos municípios.
O artigo 81 do CTN expressa que a contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal ou pelos municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
O inciso I do artigo 82 do CTN dispõe que a lei relativa à contribuição de melhoria observará, como requisito mínimo, a publicação prévia do memorial descritivo do projeto; do orçamento do custo da obra; da determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição; da delimitação da zona beneficiada; e da determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas.
Outros requisitos mínimos dessa lei, dispostos nos incisos II e II do artigo 82 do CTN, são a fixação de prazo não inferior a 30 dias para impugnação, pelos interessados, de qualquer dos elementos que devem ser publicados previamente; e a regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento dessa impugnação, sem prejuízo da sua apreciação judicial.
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 82 do CTN estabelecem que a contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização; e que, por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.
O artigo 1º do Decreto Lei nº 195/67 fixa que a contribuição de melhoria tem como fato gerador o acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obras públicas.
No julgamento do Recurso Especial nº 114.069-1/SP, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, sem valorização imobiliária decorrente de obra pública, não há contribuição de melhoria, porque a sua hipótese de incidência é a valorização e a sua base de cálculo é a diferença entre os dois momentos: o anterior e o posterior à obra pública.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou, no julgamento do Recurso Especial nº 1676246/SC, o entendimento de que o artigo 82, I, do CTN exige lei específica, para cada obra, autorizando a instituição de contribuição de melhoria.
A 1ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 169.131/SP, fixou o entendimento de que a entidade tributante, ao exigir o pagamento de contribuição de melhoria, tem de demonstrar o amparo das seguintes circunstâncias: exigência fiscal decorre de despesas decorrentes de obra pública realizada; obra provocou a valorização do imóvel; a base de cálculo é a diferença entre os dois momentos: o primeiro, o valor do imóvel antes da obra ser iniciada; o segundo, o valor do imóvel após a conclusão da obra. Assim, confirmou que é da natureza da contribuição de melhoria a valorização imobiliária
Por meio do Acórdão nº 957/18 - Tribunal Pleno (Denúncia nº 277037/01), o TCE-PR decidiu pela ilegalidade na instituição e na cobrança de contribuição de melhoria pela carência de notificação aos contribuintes e pela falta de averiguação de qual teria sido exatamente o acréscimo nos imóveis dos contribuintes - limite individual.
O Acórdão nº 1453/20 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Representação da Lei nº 8.666/93 nº 600611/18) fixou que o lançamento referente à contribuição de melhoria instituída sem lei prévia não poderia ter sido realizado, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Nestor Baptista, explicou que as receitas tributárias são a principal fonte de arrecadação do Estado para o financiamento de suas atividades; e o ordenamento jurídico pátrio delimitou quais seriam a competências tributárias e legislativas de cada um dos entes federativos.
Baptista lembrou que, como regra, cabe à União editar normas gerais de Direito Tributário; e que os estados e o Distrito Federal podem suplementá-las ou, se não houver normas gerais, exercer a competência plena para editar tanto normas de caráter geral quanto normas específicas. Ele frisou que os municípios, apesar de não participar da competência concorrente, podem legislar sobre Direito Tributário com fundamento nos incisos I e II do artigo 30 da CF/88.
O conselheiro afirmou que a contribuição de melhoria, espécie de tributo prevista no inciso III do artigo 145 da CF/88, tem origem na barreira ao aumento patrimonial do particular às custas do poder público. Assim, ele salientou que a lógica da exação é a de que a riqueza alcançada pelo contribuinte pela valorização de seu imóvel, em decorrência de obra pública, deve ser revertida aos cofres públicos; e, portanto, a instituição dessa espécie tributária depende da execução da obra.
O relator destacou que, ao editar norma de natureza tributária que verse sobre a contribuição de melhoria, o município deve respeitar, além dos pressupostos e princípios constitucionais, as disposições dos artigos números 81 e 82 do CTN, complementados, no que couber, pelo Decreto - Lei nº 195/67, sob pena de sua invalidade e de que sejam decretados como nulos ou anuláveis os atos praticados em decorrência do regramento viciado.
Baptista reforçou que é inconcebível a tentativa de cobrança da contribuição de melhoria a partir de previsão abstrata constante no CTN e da expedição de ato administrativo - edital; e que o fato gerador da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária oriunda de obra pública.
O conselheiro lembrou, ainda, que no artigo nº 81 do CTN consta de forma expressa que cobrança feita ao contribuinte a título de contribuição de melhoria está sujeita limite total a despesa realizada e ao limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel.
Finalmente, o relator enfatizou que a lei instituidora da contribuição de melhoria deve determinar a parcela do custo da obra a ser financiada pelo tributo; e que a contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão de plenário virtual nº 15/22 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 27 de outubro. O Acórdão nº 2786/22 - Tribunal Pleno foi disponibilizado em 17 de novembro, na edição nº 2.873 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).
Serviço
Processo nº:
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473269/21
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Acórdão nº
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2786/22 - Tribunal Pleno
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Assunto:
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Consulta
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Entidade:
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Município de Ubiratã
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Relator:
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Conselheiro Nestor Baptista
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Autor: Diretoria de Comunicação Social
Fonte: TCE/PR